sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Orgulho e Preconceito

O tema foi levado à Assembleia da República pela quinta vez desde 2010. As bancadas parlamentares reciclaram os mesmos velhos argumentos, a fractura entre direita e esquerda acentuou-se e escutaram-se algumas intervenções mais exaltadas.

O resultado? À quinta foi de vez e a adopção de crianças por casais do mesmo sexo passou na generalidade - deverá agora ser levada à comissão parlamentar da especialidade antes de ser submetida a votação final no plenário.

Deu-se o primeiro passo para mais uma vitória contra a discriminação e o preconceito. Não se justifica, racionalmente e no plano da igualdade entre cidadãos, que exista uma distinção entre casais hetero ou homossexuais. Ambos são igualmente contemplados na legislação; ambos têm os mesmos direitos e deveres; como lógica subjacente, todos deverão ter o mesmo acesso a uma família. Não sou eu que o digo, é a Constituição da República Portuguesa, no Artigo 36.º, nº 1: «Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade».

Ao se impedir o acesso de alguns casais à adopção por serem ambos do mesmo sexo, estamos, no fundo, a promover ativamente uma atitude discriminatória entre casais igualmente reconhecidos pela legislação. Não há nenhum argumento que possa sustentar tal atitude, excepto um que tem sido repetido até à exaustão: a necessidade de referências maternas e paternas na educação de uma criança.

Poder-se-á defender que uma criança necessita de referências maternas e paternas em simultâneo; se é verdade que um casal do mesmo sexo poderá não fornecer essas referências, o que dizer da adopção por famílias monoparentais?

Fosse o superior interesse da criança a verdadeira preocupação e também as famílias monoparentais estariam sob fogo - mas não estão. Porque o verdadeiro motivo, a verdadeira oposição à adopção por casais do mesmo sexo continua a ser o preconceito contra a homossexualidade. O problema não é a ausência de referências paternas e maternas, mas a possibilidade de homossexuais poderem educar crianças, como se tal fosse passível de lhes causar danos psicológicos ou desvios de comportamento. Na verdade, não há qualquer estudo que encontre correlação entre a orientação sexual dos pais e sua competência na promoção de um saudável desenvolvimento da criança. Por outras palavras, a orientação sexual de um indivíduo (ou de um casal) não é um factor determinante para a criação de um ambiente propício ao feliz desenvolvimento de uma criança.

O mais importante na questão da adopção não deveria ser a orientação sexual de quem se propõe a adoptar, mas as condições de quem o faz. O sistema actual afasta desde logo candidatos à adopção, não pelas condições que demonstrem para tal, mas por puro preconceito. Depois de hoje, esperamos que esse preconceito seja definitivamente afastado e se dê acesso à adopção a todos aqueles que realmente tenham condições, sejam homossexuais ou heterossexuais, sejam um casal ou uma família monoparental. Só assim poderemos defender o superior interesse da criança - o direito a uma família que o ame e lhe faculte todas as condições para um crescimento sustentado e responsável -, e terminar de vez com uma discriminação grosseira baseada num preconceito datado e mesquinho.

Hoje poderemos estar orgulhosos do nosso país: deu-se um passo firme na luta contra o preconceito. Que seja o primeiro de muitos.

3 comentários:

  1. Quando os miudos na escola lhe perguntarem: - como se chama o teu pai? António - E a tua mãe? Paulo, la se vai o "superior interesse da criança"

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mas a questão passa precisamente por aí. Ainda há um preconceito vigente na nossa sociedade contra a homossexualidade, tal como referi no post, e é esse o motivo pelo qual a questão da adopção por casais do mesmo sexo levanta tantos entraves.

      Para muitas pessoas, a homossexualidade é antinatural, é um conceito que não admitem por ir contra os seus valores, os seus conceitos de família. Foi assim que foram educados. São consequência da sociedade e de um código de valores que lhes foram incutidos. Eu compreendo e respeito-o.

      Por outro lado, a homossexualidade existe desde os primórdios da nossa História, o que variou ao longo desta foi a visão dos homens sobre ela. Hoje, a homossexualidade é aceite como parte integrante da nossa sociedade, os indivíduos não têm de a esconder e têm o mesmo direito ao casamento de uma família dita tradicional (casal entre homem e mulher).

      A questão que coloca é representativa desse mesmo preconceito. A resposta não passa pela perpetuação de uma discriminação por receio de atitudes preconceituosas, mas pela eliminação desse preconceito. Passa por se educar as crianças para a existência de casais do mesmo sexo, para a existência de famílias onde não há um pai e uma mãe mas dois pais ou duas mães. Passa por lhes explicar que essas famílias não são uma aberração, mas sim algo tão legítimo como as famílias tradicionais.

      Esse é o caminho para que situações como a que descreveu deixem de ocorrer. O caminho não pode é ser o de impedir que uma criança seja adoptada por casais com todas as condições para a criar, com receio que as crianças sejam vítimas do preconceito alheio. Porque é este último que está mal e tem de ser eliminado.

      Eliminar