domingo, 29 de novembro de 2015

Manipulação de massas

Já num post anterior (Questões de legitimidade) enveredei pela questão da legitimidade do governo indigitado pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, no passado dia 24 de Novembro. Como então referi, os acontecimentos decorridos após as eleições Legislativas de 04 de Outubro cumpriram as regras democráticas e constitucionais, uma vez que "o partido (coligação) mais representado foi convidado a formar governo com a legitimidade que lhe foi conferida pelo Presidente da República" mas "os representantes legitimamente eleitos pelos portugueses para os representar [os deputados da Assembleia da República] não aprovaram o orçamento aprovado pelo governo legitimamente empossado". Resultando daqui uma inviabilidade de governação pelo executivo de Pedro Passos Coelho, o Presidente da República optou por outra solução governativa dentro da Assembleia da República, a qual "será tão legítima quanto a primeira pois terá a legitimidade conferida pela mesma fonte: o Presidente da República."

Esta solução de governo cumpre todos os requisitos constitucionais da nossa República: foi indigitada pelo Presidente da República e tem o apoio de uma maioria de deputados na Assembleia da República, os quais representam os portugueses que os elegeram nas eleições Legislativas. Não obstante, compreendo perfeitamente quem com ela não concorde. Vivemos num Estado cuja pluralidade democrática constitui, felizmente, uma pedra basilar da sua existência; a possibilidade de cada cidadão desenvolver a sua própria forma de pensar é saudável e deve ser incentivada.

Obviamente, não espero ver Pedro Passos Coelho ou Paulo Portas concordarem com a decisão da Assembleia da República, tendo os seus próprios motivos - por demais evidentes - para dela discordarem. No entanto, acredito (ou pelo menos quero acreditar) que o ex-Primeiro-Ministro e seu ex-Vice-Primeiro-Ministro, bem como elementos directamente ligados ao seu anterior executivo, estejam suficientemente familiarizados com o conteúdo da Constituição da República Portuguesa, pelo que mesmo não concordando saberão, certamente, que o governo de António Costa é legítimo pois a sua legitimidade deriva directamente dos dois órgãos de poder da República: o Presidente da República e a Assembleia da República.

Como explicar, então, as repetidas declarações de elementos com responsabilidades políticas, como Pedro Passos Coelho, Paulo Portas ou o vice-presidente do PSD, Marco António Costa, ou de comentadores e colunistas afectos à coligação de direita, atacando a legitimidade do novo governo, indo por vezes tão longe ao ponto de a apelidar como uma ataque à Democracia?

Não tenho, nesta fase, já qualquer dúvida de se tratar de uma tentativa clara de enfraquecer o executivo de António Costa e a esquerda em geral junto da opinião pública. O que é grave: apesar de saberem que o mesmo é legítimo, a ideia passa por manipular a opinião pública recorrendo ao batalhão de comentadores e colunistas à sua disposição no sentido de moldar a opinião pública, fazendo germinar a ideia de ilegitimidade política. Manipulação de massas no seu estado mais puro: explorar o desconhecimento da população (no caso relativamente à Constituição da República) espalhando de forma deliberada uma mentira, a qual será repetida insistentemente até ser aceite como facto.

A manipulação de massas não é propriamente novidade, nem sequer em Portugal. Vale-se da falta de informação de um conjunto alargado de indivíduos, os quais são mais facilmente manipuláveis em comparação a quem tenha conhecimentos sobre determinado tema. Por isso a educação e o acesso a informação imparcial é tão importante na nossa sociedade: permite aos cidadãos pensarem por si próprios, formarem as suas opiniões imparcialmente e reduz o sucesso de propaganda e manipulação. É, assim, de saudar a aprovação na Assembleia da República do Projecto de Resolução d'Os Verdes, o qual pretende que a Constituição da República seja divulgada nas escolas. É fulcral, para uma sociedade que se pretende formada por cidadãos responsáveis e cientes dos seus direitos e deveres, capazes de pensamento racional, que a Constituição seja parte do conteúdo programático do sistema de ensino obrigatório.

Curiosamente, os únicos partidos que se revelaram contra esta acção foi a oposição PSD/CDS. Há acções que falam por si.

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